sábado, 23 de maio de 2009

Recife 2 - MANGUE

“... nesta terra, em se plantando tudo dá...

Continuo pensando nas palmeiras, não só do Recife, mas de todo este Brasil. Bem, é inevitável a sua beleza, este ar de trópicos que estas plantas provocam e tão espalhadas pelo nosso litoral, confundida com a natureza nativa apesar de ser tão migrante quanto o português ou qualquer outro de além-mar.

As palmeiras tendem a permanecer, mas descobri que é mais fácil preservá-las por seu fruto e água terem virado produtos industrializáveis que por qualquer consciência ecológica.

O nosso mangue tem outra história, nunca serviu para nada. Eu me lembro garoto atravessando a ponte do Pina a pé ou andando de lancha saída de porto improvisado de Brasília Teimosa até o Cais de Santa Rita quando destruíam o matagal para levantar o Cabangá Iate Clube e achávamos tudo muito bonito. Afinal, teríamos um iate clube de vizinhos, que além de parecer muito bonito valorizaria o preço de nossas casinhas.

Com o tempo, porém, as pessoas mais simples de nossa comunidade perceberam o óbvio que para nós não existia. Alguma coisa errada acontecia com nossa maré, que estava mais suja e com menos peixes. Alguém de uma universidade qualquer que não lembro, foi para a televisão dizer que o mangue protegia nossa maré, que absorvia o lixo que teimosamente jogávamos ao mar, que absorvia as impurezas além de ser viveiro dos preciosos seres do mar que alimentavam as populações ribeirinhas da área.

Lembro que valorizar o mangue virou assunto de escola, de professor de biologia que não punha o pé na maré e que agora teimava em nos dar consciência ecológica.

Descobrimos coisas sérias. Que as palmeiras não eram nossas e que o mangue sim, esse era tupiniquim, brasileiro, verde e amarelo. Desde então o mangue passou a ser mais bonito para mim. Não parecia ser mais mato na maré, mato que parecia atrair a lama e atrapalhar o mergulho. Mato que teimosamente se espalhava pelos caminhos de espuma das lanchas.

Recife 1 - CIDADEZINHA

“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”
A cada dia fica mais difícil encontrar palmeiras nas grandes cidades, e quanto ao canto do sabiá ou de qualquer ave canora, substituídas que estão sendo em seus acordes pelos digitalizados. Mas, ainda é um poema que pode ser cantado por qualquer cidadão saudoso de sua casa. De qualquer modo, em minha urbana cidade ainda é possível encontrar algumas palmeiras e coqueiros nas nossas belas praias, que para continuarem belas precisam de um pouco mais de amor de seus banhistas. Também é possível apreciar o som dos pássaros, não o lamento triste do engaiolado, mas, aqui e ali, um gorjeio florido de quem ainda têm liberdade, mesmo que seja em algumas reservas do Horto, tão bonito quanto o que tenho em minha cidade, mas, tão maltratado por quem dele se utiliza.
Em uma cidade já tão urbanizada, maltratada pela beleza selvagem do desenvolvimento, sempre é possível, fora do horário corrido, e do leva e trás dos ônibus lotados de trabalhadores que a constróem, mas não tem tempo para apreciá-la, encontrar a beleza da mão humana.
Percorro as ruas estreitas de construções seculares que se assemelham a arquitetura moderna, apenas pela necessidade de quem as fez, e da época que as sugeriu. O cheiro do tempo me faz procurar os passos dos antigos, suas roupas, enfeites e manias. E posso imaginar, e imaginar acima de tudo que eram pessoas como eu, que tinham que viver, trabalhar e sonhar, como todos os outros de todos os tempos, de todas as cidades por este país afora.
O tempo mostra a época e a cabeça de cada um, prédios com cara de obra de arte, a imensidão de Igrejas de todas as cores, as suas festas mais comportadas, ou menos, depende também da época. As pontes, os trilhos dos bondes - hoje sem utilidade, mas presentes. Todo um conjunto, dentro de um conjunto, montado pelo tempo e pela necessidade das pessoas, que se for separado do hoje, ganhará a beleza dos tempos passados ou o charme discreto de cidadezinha do interior. É tudo uma questão de saber andar e o que olhar.
É inevitável tentar pensar a cabeça dos que vieram antes, e por um breve momento se transportar magicamente para tempos idos.
Mas não fujamos demais do mundo moderno, afinal, nascemos aqui, neste agora. Meu primeiro encontro com a cidade foi àquela maternidade, que continua servindo como porta de entrada para outros tantos novos cidadãos. Depois a minha casa, que pode não ter uma arquitetura de valor histórico e tudo mais, mais é a minha casa. A célula base de toda esta metrópole, que se orgulha da imponência de seus prédios, de suas auto-estradas, de sua iluminação e de ser um pedaço do Brasil.
Posso achar meu mundo em outras partes, na escola, por exemplo, na Igreja do bairro, no trabalho, no clube. Lugares do coletivo, da construção da consciência de que não estamos sozinhos, de que há algo maior. É no coletivo que percebemos, ou ao menos esperamos, buscar a harmonia para construir uma época.
É até interessante, e também necessário, pensar o que no futuro será está minha terra. Que para mudar, não depende só dela, pois está ligada aos acontecimentos de um grande país. Mas é uma preocupação que deve estar presente, sempre, na cabeça de todos os que respiram o mesmo ar. É possível até acreditar em uma cidade futurista, desta de filmes, mas eu sempre reservarei um espaço para minhas palmeiras a beira do mar e para o canto do sabiá.

FRAGMENTOS

Não sou o poeta que vai morrer bêbado,

Cheirar as flores adubadas com a sujeira do mundo.

De mim mesmo só quero a tristeza

Para enterrar a alegria com honras e lamentos.

Do abismo mais profundo quero saldar a imortalidade

Beber meu sangue como vinho abençoado,

Guardando as últimas forças para

Exaltar meus limites:

“Que o sol não brilhe amanhã,

Que a noite nunca se acabe para nós”

Quando o Deus que me sustenta morrer !

A tristeza cobrirá meu rosto, por me ver

Liberto desta fantasia.

Não sei mais quem sou, pois não há

Mais ninguém para dizer o que realmente fui.

A luz cega meus olhos, pois nasci na escuridão.

Não ouso olhar no espelho,

Pois o que vejo me da pena.

Preciso nascer de novo

Pois hoje não consigo viver.

Da vida, levo apenas a vida,

E do sonho, meu pesadelo !


ONTEM A NOITE

Há poesia na fênix morta,
Como há lágrimas em meus olhos.
Não pude ao amor dizer adeus,
Porque preparado não fui para tal lamento.
Digo adeus agora a mim mesmo,
Posto que vivo e não-vivo
E me atormento.
Não suporto a solidão de não sonhar
Mas não agüento a dor de mais sonhar,
Sofro os sonhos que tenho de lembrança
A presença tão distante do tocar
A vingança de outros sonhos sem valor.

ESCOLHA

Nasci.

E como todo homem

Estou em busca de minha identidade

Uma longa busca do meu Eu

Me disseram:

- Sejas branco, mas terá que esquecer que também é negro

Outros gritaram:

- Sejas negro,

Mas me disseram para esquecer que meu pai é branco

Pensei em ser alguma coisa

E lembrei que estavam esquecendo

De tentar me tornar índio

Um outro dia alguém lembrou:

- Sejas índio, mas esqueça o resto

Desisti,

Nasci de novo;

E fui ser gente.